Era tarde, talvez próximo da meia-noite. Ele não queria saber. A cadeira em que estava era gelada, assim como os relacionamentos que tentava cultivar ou a família que tentava agradar. O celular vibrava no bolso, mas se revelara um fantasma. Uma síndrome adquirida com a modernidade. Pensava se aquele fantasma assumiria uma forma maior e assustadora e o levaria para visitar o próprio passado. No final, concluiu que não. Por que faria isso com alguém que repensa sem parar as próprias ações?
Uma olhada ao redor faria bem. Nem precisou levantar. Conversas superficiais entre parentes. A decoração era mais atraente. Luzes piscando, árvores, bolas, laços e cabeças de Papai Noel. Pobre homem. Sorte que era obrigado a se juntar com quem não queria só uma vez por ano. E por pouco tempo. Sonho de qualquer antissocial. Papai Noel, Coelho da Páscoa… Símbolos dos maiores antissociais do mundo. Apareciam uma única vez e no restante do ano usavam o trabalho como desculpa. Ainda assim, todos os adoravam. A lista de desejos receberia mais um item pro ano que vem, logo após a capa de invisibilidade e o frasco com capsulas de tolerância (que pretendia espalhar pelos reservatórios de água – um plano ainda em andamento).
O cheiro do peru foi ficando cada vez mais presente. De longe, conseguia ver a mesa, arrumada com uma toalha vermelha de trenós, renas e árvores, candelabros. As comidas foram postas em uma mesa ao lado, costume recente para evitar acidentes. A situação sempre lembrava o arroz com uvas-passas que, todos os anos, teimavam fazer. Concluiu que as chances de ter outras coisas estranhas ali eram grandes, como manga na salada. Foi um pouco além e calculou as chances dos candelabros caíres e o fogo das velas espalhar consumindo as uvas-passas (e todo o resto).
Sentiu a vibração de novo. Não era nada. Nunca era. Por desencargo de consciência, retirou o celular do bolso e checou o horário. Faltava dez minutos para o dia 25. Ele não tinha forças para expressar o quão feliz estava com aquilo, com a festa, com as uvas-passas. Na verdade, se estivesse feliz, talvez conseguisse expressar alguma coisa. Papai Noel preencheu novamente seus pensamentos. O cara nem precisava ficar por muito tempo!
A avó estava gritando, convocando todos a se aproximar. Discursou sobre as maravilhas que era estar com todos por perto. Disse o quanto amava a todos, desejando que se reunissem mais vezes, sem precisar de datas especiais. A cadeira pareceu menos gelada.
Ninguém percebeu que ele não havia se aproximado. De longe, ouviu as felicitações sendo exaltadas. Viu os sorrisos e abraços forçados. Os fogos de artifício, que não tinha certeza se deveriam aparecer (vai que acertam o Papai Noel, né?), completavam a decoração. E era isso mesmo? Não era o Ano Novo que se comemorava na virada? Mais uma vez, sentiu o fantasma agitar-se na perna como se, por ironia, desejasse um feliz… um feliz o que mesmo?
Crédito da foto: Kevin Dooley