Era uma vez
Era uma vez um menino solitário
Postura torta e coração machucado
Mantendo no interior da mente
As coisas que não conseguia ter
Era uma vez um menino solitário
Postura torta e coração machucado
Mantendo no interior da mente
As coisas que não conseguia ter
Quando for entrar, tire os sapatos. Deixe a sujeira do lado de fora e só traga os caminhos pelos quais seus pés passaram. Me mostre as experiências guardadas na mochila. Aos poucos, me deixe expor as cicatrizes talhadas no peito. Ria comigo transformando as sombras em ecos insignificantes.
A rampa era bamba, instável sob os pés de alguém que não estava confortável. Ele mantinha os braços abertos e joelhos flexionados, preparado para saltar longe da beira caso alguma coisa fora do esperado acontecesse.
Ele estava deitado de lado aproveitando a brisa vinda da janela logo em frente. A cama era grande, vestida com um lençol de textura lisa, confortável ao toque e convidativo. Atraente para o físico e mente, carregado de lembranças. O som da cortina dançando preenchia o quarto, provocando um show de luzes sutil sobre as pálpebras fechadas.
Marcos estava parado ao lado do fogão, com o peso apoiado na bancada. Braço cruzado sobre o abdômen, uma das mãos apoiando o queixo. Olhava fixo para o nada até a chaleira apitar reclamando da água quente. O clima pedia por uma bebida gelada, mas chá recebia passe livre até nos dias quentes.
Dedos percorriam as olheiras, verificando as mudanças que as semanas provocaram. Mais marcadas e profundas, eram resultado de um sono desregulado e uma mente cheia de perturbações. Pele pálida, barba por fazer. Olhos inexpressivos. Espelho refletindo alguém familiar, mas mais estranho a cada olhada.
Era tarde, talvez próximo da meia-noite. Ele não queria saber. A cadeira em que estava era gelada, assim como os relacionamentos que tentava cultivar ou a família que tentava agradar. O celular vibrava no bolso, mas se revelara um fantasma. Uma síndrome adquirida com a modernidade. Pensava se aquele fantasma assumiria uma forma maior e assustadora e o levaria para visitar o próprio passado. No final, concluiu que não. Por que faria isso com alguém que repensa sem parar as próprias ações?