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Marcos estava parado ao lado do fogão, com o peso apoiado na bancada. Braço cruzado sobre o abdômen, uma das mãos apoiando o queixo. Olhava fixo para o nada até a chaleira apitar reclamando da água quente. O clima pedia por uma bebida gelada, mas chá recebia passe livre até nos dias quentes.

Três saquinhos, sem açúcar. Mate ao sabor natural, nada de frescura. A xícara permaneceu de lado até que o chá chegasse no ponto. É um momento delicado, se demorar, fica morno. Se for apressado, a língua paga o preço. Uma arte que exigia tempo para ser aprimorada. Tempo que demora para passar quando se tem que prestar atenção.

Som abafado vibrou em algum lugar da cozinha, uma notificação recebida. Um convite de alguém do Facebook para curtir alguma página aleatória, um evento do outro lado do país… Ou talvez fosse uma mensagem. Ele ainda não havia decorado as diferenças sutis entre as vibradas dos aplicativos.

Melhor teria sido ignorar. Teria sido focar no vapor ondulando sobre a xícara ou na louça suja dentro da pia. Mas a curiosidade foi mais forte. Era uma mensagem que, além dos caracteres, trouxera memórias que Marcos tentava guardar há semanas. Esquecer, mesmo algumas sendo boas. Memórias com alguém que teve permissão para acessar às cicatrizes e os lugares escuros de Marcos. Os medos e sonhos nutridos diariamente.

Todos os sorrisos vieram à tona. As gargalhadas debaixo do chuveiro, as discussões bobas que rendiam caretas e cócegas. As surpresas dos beijos aleatórios depois dos olhares mais demorados. As carícias antes de dormir, o calor dos corpos sob o mesmo cobertor.

Porém, também trouxeram a dor do vazio alimentado sem Marcos perceber. Que crescera entre eles sugando os momentos de alegria que tentavam aproveitar. Reviveram as angústias e brigas, o frio dos lençóis das noites solitárias. A dor no peito quando tudo terminou.

Marcos se perdeu nas memórias e quando percebeu, o tempo havia passado demais. As lágrimas caiam e o chá esfriava.

Imagem: Gioia De Antoniis

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