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Quando a lua dorme

A lua exibia-se, majestosa. Fogos de artifício abraçavam o céu, quilômetros à frente. Richard sempre contava com a boa vontade dos outros para conseguir um lugar para dormir. Exausto, havia caminhado na densa floresta por dias. Acreditando que conseguiria comida e água, caminhou até os fogos.

Era uma vila pequena e estava em festa. Richard chegou na entrada, caindo de joelhos no chão lamacento. Uma jovem correu para ajudá-lo, evitando que batesse a cabeça ao desmaiar.

No outro dia, numa cama confortável e sem as vestes sujas, os olhos encontraram as formas de uma linda mulher. De costas, usava um vestido em tons de verde escuro. Tinhas os cabelos louros compridos, os cachos caindo sobre as costas. Ao se virar, os olhos verdes chamaram a atenção. Richard só conseguiu pedir pelo nome. Esmeralda.

Quando a lua dorme

Dias passaram, todos com muita festa e fogos. Repentinamente apaixonados, corriam pelos campos floridos ao longo das colinas. Ele nunca ficara assim, tão envolvido com alguém. Era um viajante e estava até cogitando a hipótese de criar raízes. Aquela mulher era especial.

O último dia festivo era sempre agitado. Todos dançariam em volta da fogueira, atirando ao fogo pertences de familiares que adoeceram ou morreram.

As preparações começaram de manhã. Esmeralda e Richard levantaram cedo para colher ervas e flores. Sempre se abraçando e beijando, faziam suas tarefas com muito amor. Durante as semanas, nunca chegaram ao ápice do romantismo. Correndo relva adentro, caíram um sobre o outro. Como dois adolescentes, fizeram o que desejavam fazer há dias. O som era levado pelo vento. Os moradores escutavam todos os gemidos e movimentos. Todos sabiam o que acontecia, era exatamente assim com os viajantes que encontravam a vila.

Esmeralda não era o que aparentava. Sua face inocente escondia o pior dos seres. Seus olhos claros escondiam o pior dos desejos. Seus lábios eram fonte de veneno. Veneno que atraia e seduzia suas vítimas.

Tarde demais para Richard escapar. Foi enfeitiçado pela beleza e pelos lábios daquela linda mulher. A armadilha fora armada, e, após o ato de amor, ele nunca mais poderia ser um andarilho novamente. Ervas e flores colhidas, desceram para a vila.

Os morados encaravam-no com outros olhos. Olhos de fome. De sede. A vila, os moradores, a própria Esmeralda, todos, não eram inocentes. Tinham sede de sangue. Tinham fome. Eram demônios.

As “festas” eram rituais. Todos os anos, na primeira lua cheia da primavera, havia um sacrifício. Um viajante aparecia na vila, se apaixonava por Esmeralda e morria quando a lua chegava ao ponto mais alto. Richard era esse viajante. Richard era o escolhido.

A fogueira estava acesa, os moradores estavam sentados em volta dela. As crianças brigavam por um pedaço suculento de Richard. As mulheres gritavam, pulando e dizendo palavras para expressar uma felicidade doentia. Estavam com sede.

Richard era trazido pela Esmeralda. Em transe, não sabia o que aconteceria. Aos poucos, antes de sua morte, retomou a consciência. Era tarde demais.

Esmeralda foi a primeira a arrancar alguma parte dele. Embora todos estivessem com fome, ainda estavam em um ritual e antes de desfrutar do viajante, teriam de oferecer carne e sangue ao “Pai”.

Todos se levantaram e dançaram conforme Richard gritava. Seu sangue escorria até a fogueira e alimentava a primavera. No ponto mais alto da lua, os mais velhos da vila correram até ele e arrancaram outras partes de seu corpo. Por fim, Esmeralda perfurara o coração do viajante, arrancando-o e saciando seu desejo.

Caído, era saboreado pelo resto da vila. As crianças que mais aproveitavam. Sujas de sangue, brincavam ao redor da fogueira. Comemoravam o nascer de uma nova estação.

Fotografia: You Are Not Alone by Alister C.

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